Roberto Dourado

Qualquer um pode ser um poeta... desde que o amor lhe toque (Platão - O Banquete)

Textos


CAPÍTULO ZERO, OU O PRINCÍPIO DEPOIS DO NADA

 

No princípio (…) Deus disse: façamos o ser humano (Gn 1, 1.26).

 

Nada.

Nada.

- Mas que nada é esse?

Nada, mas é nada mesmo!

Nada, já falei, no princípio era nada!

 

- Valha-me, meu Deus!!! O princípio era o nada ou o princípio veio depois do nada?

 

Olha, o nada aqui não tem o sentido de negação, como ensinado por Platão. O nada a que me refiro quer dizer não-ser, no mais clássico entendimento de Parmênides. Portanto, não tem sentido falar no princípio enquanto subsistir o nada. Nada é nada, não tem princípio, nem meio, nem fim, o nada é o que não existe!

 

- Platão eu já ouvi falar, mas quem é esse Parmênides?

 

Olha, não me atrapalha, depois dá um Google aí, tá?! Deixa eu contar a história!

 

Antes, porém, pra fazer justiça aos pensadores, você precisa saber que os filósofos não brigam entre si, eles são da paz; na verdade, são as ideias que brigam!

 

- Acho que já ouvi essa frase de um político mineiro!

 

Pois é, os filósofos não brigam, eles se superam!

 

- Ora, como assim, “se superam”? Você disse que Parmênides superou Platão. Busquei aqui no Google e vi que quando Platão nasceu o Parmênides já estava morto há mais de trinta anos (Parmênides 530-460 aC.; Platão 428-348 aC.). Como você pode dizer que Platão foi superado por Parmênides, se este viveu antes? Quem supera é porque veio depois, não é? Não seria melhor dizer que Platão superou Parmênides?

 

Caramba, bicho, saiba que, para efeito do que aqui coloco, o debate entre filósofos não se dá simplesmente no tempo, isso é uma análise simplista, desculpa o pleonasmo. No mundo das ideias, conforme o próprio Platão, elas, as ideias, não pertencem ao tempo, elas estão para além da matéria; e como você sabe, matéria e tempo são filhas do mesmo big bang).

 

- Num sei não! O que é big bang?

 

Ahhhhhhhh, dá um Google aí de novo, rapaz, e deixa eu terminar de contar a história!!!

 

Pois bem, o que importa é que, no sentido que trago aqui, Platão não superou Parmênides. Mas eu não quero entrar e ficar nessa espiral semântica do que pensam os filósofos; tenho mais o que fazer! Avante!

 

O que eu quero, na verdade, é apenas dizer que concordo com a ideia de que nada é não-ser. Ou seja, o ser é; e não-ser nada é, ponto.

 

Tenha calma, você não precisa entender tudo agora. Uma hora qualquer você entende. Deixa eu continuar!

 

- Pode continuar!

 

Como eu estava dizendo, e você me interrompeu com perguntas banais, é justamente sobre o que estava acontecendo no imediato instante do tempo depois do nada.

 

- Que instante?

 

O instante depois do nada, ou seja, o instante que veio depois do não-ser. Lembra que eu te expliquei que não-ser é a mesma coisa que nada?

 

- Hummmmm!!! Tá. Então o instante do ser, é aquele instante que vem imediatamente depois do não-ser, é isso? E daí?

 

Sim, muito bem, parabéns, tá começando a entender!

 

- Boa! Vamos lá, continua!

 

E daí é que, depois do nada, onde o nada é nada, e sei disso porque se o nada é nada, como poderia eu, então, falar dele, não é mesmo, já que ele é nada e nada é o que não existe?

 

Ora, sabemos que o nada é o que não existe, muito embora no contexto de uma frase ele possa sintaticamente funcionar como sujeito, e nessa condição existir, visto que há um artigo a ele anteposto; porém, no mundo real, o nada não existe. Será isso uma loucura, ou apenas um paradoxo da linguagem? Talvez esse problema seja pra outro filósofo, Ludwig Wittgenstein!

 

- Hem?! Que “sujeito” o quê?! Que “paradoxo” o quê?! Mais um filósofo?! Paciência! Olha, assim tá ficando difícil, viu? Num complica, não. Toca a história!

 

Pois é, Wittgenstein entendia que a linguagem não descreve o mundo, pois a linguagem é o próprio limite do mundo, ou seja, os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. Logo, o mundo real não pode ser descrito pela linguagem, simples assim!

 

- Credo! Simples o cacete! Num tô entendendo nada!

 

Fica com isso na cabeça que logo você vai entender. Filosofia é assim mesmo!

 

- Tá bom, vai nessa! Num tô entendendo nada, nada mesmo! Mas segue o bonde, uma hora eu entendo!

 

Pois é, então presta atenção. Acho que agora você vai entender.

 

Depois desse nada surgiu um instante, e foi nesse instante, a partir do qual comecei a perceber algumas coisas.

 

- Arre égua! Que "coisas"? Tô ficando curioso.

 

Pois é, percebi que nesse instante zero (aquele, depois do nada), começou a ocorrer um certo calor, um fluxo de energia que considerei fruto de um movimento vai e vem, esfrega aqui, esfrega ali, liberação de doses de endorfinas, energia; sussurros aqui, sussurros ali, liberação de algumas doses de dopamina, um prazerzinho pra compensar o movimento, do rela-rela sabe? E tudo isso acontecendo fora de mim; e o processo se repetia várias vezes, várias vezes aumentando a pressão e o calor; até que…

 

- Até que... o quê?

 

Uau! Comecei a sentir que uma parte de mim se movimentava, numa louca e desenfreada corrida. Eu, sem entender nada daquilo, verifiquei que muitas outras partes de mim também corriam e queriam, desesperadamente, chegar a algum lugar, e corriam com muita pressa.

 

Comecei a perceber que aquela pressa toda, como toda a lógica dos apressados, era fruto de uma grande competição, uma concorrência, cujo movimento doido não me deixava entender o que era aquilo; sabe, aquilo tudo me deixava confuso, meio tonto, meio louco, sem entender nada.

 

- Quem não tá entendendo nada sou eu! Você tá é ficando louco!

 

Loucura é o que você vai ouvir agora, ouça com atenção: essas partes de mim queriam se juntar a uma outra parte de mim que, quieta, aguardava, silente e ávida, num canto de um quarto, muito bem protegida, esperando, como uma princesa, pelo resultado daquela louca corrida de príncipes. Que prêmio teria o príncipe vencedor?

 

- Sei lá, nessa história que já teve de tudo, até filósofos, pode ter qualquer coisa. Que príncipe é esse?

 

É uma metáfora! Isso tudo era meio louco, pois era eu, era em mim mesmo que estava acontecendo todas essas coisas, e tudo era muito estranho, pois eu ainda nem sabia o que era esse eu. Que loucura!

 

- É mesmo! Ainda bem que você reconhece! E lá vem tu de novo com outra confusão, igual à discussão do nada! Putz!

 

Calma, você vai entender. Senti algo diferente e comecei, de uma hora pra outra, a me recuperar da tontura e tudo começava a fazer algum sentido. Eu ainda estava sem voz, com os sentidos lânguidos, percebi que a corrida tinha acabado e tudo estava mais calmo, doce, suave.

 

Dentro de mim, agora de forma integral, porém instável, eu começava a sentir um novo movimento: acontecia uma certa divisão nas entranhas, onde uma porção de mim formava duas porções, e essas, por sua vez, se dividiam sucessivamente, até que passados uns dias, já na terceira semana, um dos meus órgãos começou a se aprimorar e então me veio a consciência de perguntar, só com o pensamento, pois ainda não conseguia falar: Quem sou eu, que até pouco era um nada?

 

Silêncio total!

 

O lugar era escuro, mas confortável, não enxergava nada e nem ouvia nada, mas insisti na minha curiosidade: Quem sou eu, que até pouco era um nada?

 

Silêncio total!

 

Eu, sem respostas; o lugar, ainda escuro! Comecei, então, a experimentar outras sensações: pela primeira vez ouvi barulhos estranhos, como se houvessem dutos próximos, pelos quais fluía um líquido qualquer. Isso foi, pra mim, uma experiência fantástica. Comecei a prestar mais atenção e ouvir o ruído da passagem dos fluidos por aqueles canos. Fiquei maravilhado, soava como música, era a minha primeira música! Isso me instigou a perguntar novamente sobre tudo aquilo que me acontecia: Quem sou eu, que até pouco era um nada?

 

A não-resposta explodia meus tímpanos (e eu tinha tímpanos?) com um silêncio absurdo, incômodo.

 

Até que me enfadei e comecei a gritar no pensamento: QUEM SOU EU, AFINAL, QUE ATÉ POUCO ERA UM NADA, E O QUE ESTOU FAZENDO AQUI?

 

Então, suave, serena e respeitosamente uma voz linda, resolveu falar comigo:

 

- Você é o Roberto!

 

Ei! como sabe meu nome, se nem nasci ainda e talvez ninguém saiba que eu não sou mais um nada, visto que agora eu sou?

 

- Opa, calma aí rapazinho, tá querendo Ser Eu? Não caia na tentação da serpente! Saiba, de antemão, que Eu Sou, conforme tá lá em Ex 3, 14 Sou Eu. Você já não é um nada, pois já é alguma coisa, mas também não é Eu Sou. Você é quem você é e não Eu, porque Eu Sou o Eu Sou! Eu sei disso porque eu sei tudo, e o seu nome é a sua identidade que conheço “antes mesmo de te formar no ventre de tua mãe”, conforme eu também disse em Jr 1, 5.

 

Desde esse momento, minha vida tem sido essa incansável busca pelo sentido da minha vida, que do nada, agora sou, apenas sou!

 

Ufa! é isso! Essa é a história que eu queria te contar. Eu fiquei imensamente extasiado, maravilhado, espantado, deslumbrado com tudo isso. Caramba, não era pra menos, afinal eu conversei diretamente com Deus!!!

 

Depois disso, atrevido que sou, voltei a perguntar: Ok, tá bom, então, Senhor, se sou quem sou, por quê aqui estou?

 

Deus respondeu:

 

- Hummm!!! Olha, você é muito apressado. Não se estresse à toa, se acalme que a vida é bela e “vale a pena, quando a alma não é pequena”, como disse um poeta português que você deve conhecer. Você ainda é um cérebro e um corpo em formação; ainda é muito novinho. Deixa você crescer um pouquinho mais que vou te fazer entender as coisas, tá?

Eu te abençoo: Cresça e nasça!

 

 

Crédito da Imagem:

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2022-10/james-webb-revela-novas-imagens-dos-pilares-da-criacao. Acesso em 26/06/2023.

Roberto Dourado
Enviado por Roberto Dourado em 26/06/2023
Alterado em 30/06/2023


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